sexta-feira, outubro 26, 2012

 

Para meditar!

Enquanto esperava há pouco por fazer uma ecografia que denunciasse as causas da dor lancinante que umas cólicas me provocaram, pus-me a interrogar-me sobre o valor da vida: que diferença haverá em morrer num forno crematório de Auschwitz ou debaixo de uma ponte em Braga, como acontece, hoje, a um casal que ficou desempregado, sem subsídios, sem dinheiro para pagar uma renda, nessa tragédia terrível para onde este Governo atira muitos dos nossos irmãos?


Se perguntasse a Vitinho Gaspar, suponho que a resposta seria: “é uma questão de custos”. E nada mais diria, embora a resposta fosse feita num tom que se estenderia por longos espaços de tempo.

Perguntando ao Governo, talvez respondesse: “o problema fica resolvido em 2015”. Talvez, porque nessa altura já não haverá pontes.

Como é terrível que o sofrimento, a morte, deixem de ter uma dimensão humana, isto é, deixem de ser sentidos como se as dores, o vazio da existência, a morte, fosse em nós próprios!...

Quem não sente como um problema humano, nosso, o holocausto de Auschwitz não pode compreender que é uma outra forma de holocausto: o atirar para a morte lenta com o desemprego, a miséria, a falta de condições para viver a vida que, pela própria condição de dignidade humana, se tem o direito a viver.

Dizer que não há alternativas a este Governo é nada perceber sobre o holocausto para onde nos atira um Governo incompetente, desumano, sem uma ideia sobre o nosso futuro colectivo.


segunda-feira, outubro 22, 2012

 

O cinismo, como estratégia política


Quatrocentas mil lojas de compra de ouro repetem a propaganda de António Sala: “Troque o seu ouro velho, danificado ou que já não usa, por dinheiro”

Não é por acreditarem na publicidade, mas por dolorosa necessidade que muitos portugueses vão a essas casas entregar o ouro, muitas vezes autênticas obras de arte e, em todos os casos, o ouro que estava enlaçado em afetos.

Na balança de exportações essas obras de arte, todo o ouro “trocado por dinheiro”, é transformado em barras que fazem 80% das nossas exportações (5oo milhões).

O Governo “canta” vitória e diz que Portugal exportou mais do que importou, mas é Portugal que vai sendo vendido a retalho.


 

Com a mesma bandeira ideológica, mas com políticas tão diferentes



O 1º Ministro de Espanha em declarações à TVE, sobre a apresentação do OE-2013, referindo-se aos reformados, disse:

... "A primeira prioridade é tratar os pensionistas da melhor maneira possível. A minha primeira instrução ao ministro das Finanças é de que as pessoas que não se devem prejudicar são os pensionistas.

No Orçamento de Estado deste ano só há dois sectores que sobem: os juros da dívida e as pensões. Não tenho nenhum interesse e se há algo que não tocarei são as pensões, o pensionista é a pessoa mais indefesa, que tem a situação mais difícil, porque não pode ir procurar outro posto de trabalho aos 75 ou 80 anos, tendo uma situação muito mais difícil"...

Em Portugal, os pensionistas celebraram um contrato com o Estado, em que se comprometeram a descontar 14 meses por ano durante a sua vida activa, tendo em vista a obtenção, na altura devida, de uma pensão calculada com base no número de anos de descontos, a ser paga em 14 meses. E cumpriram integralmente a sua parte do contrato!.

Já em 2012, a outra parte contratante, o Estado Português, que necessariamente deveria ser pessoa de bem, decidiu alterar unilateralmente as premissas desse contrato e, numa primeira fase, passou a remunerar as pensões somente durante 12 meses, e prepara-se para no ano de 2013 acrescentar ainda a essa supressão ilegítima um corte adicional de 3 a 10%.

É uma decisão administrativa ilegal e sujeita a processo judicial, e para além disso, merecedora de um protesto forte daqueles que o Estado pensa serem fracos!


 

Os novos "yes man" do poder!

Compreende-se que Passos Coelho defenda Gaspar até à imprescindibilidade, tal como defende Miguel Relvas e Carlos Moedas. Todos eles cresceram e se tornaram figuras notáveis no âmbito do que, hoje, se chama Capitalismo de Relações e não conheceram outro. E isso não lhes possibilitou saber avaliar a dignidade do trabalho.

Habituaram-se ao sucesso que vem da influência de um amigo, da importância de um segredo, de um telefonema oportuno, da marcação de um almoço, de um encontro social, do retorno que têm na facilidade com que se movimentam nos corredores da grande finança e junto de alguns jornalistas.

O papel da informação é decisivo para promover esta gente, os seus interesses, evitar o desagradável e fazer constar, de ciência certa, que são muito importantes quando não passam de um embuste.

No capitalismo de relações não conta a clareza da transparência, o que é o prejuízo numa empresa, as dores de cabeça de um empresário para recuperar um investimento, comprar matéria-prima ou ter de volta as importâncias que incorporaram vendas.

A relação com a Troika é, neste capitalismo de relações, a melhor que convém aos representantes do capitalismo financeiro. São-lhes subservientes, o negócio é a transação de um favor (e, por isso, querem ser bons discípulos) e em vez de negociadores firmes, que tenham em conta os interesses nacionais, os que dizem respeito aos portugueses, são bajuladores, curvando-se sempre (como é notório!) nos corredores do poder financeiro. Não passam de uns goldmen boys.

A nossa troika, os prosélitos do capitalismo de relações que nos desgovernam, nada percebe do País real, dos que gostam de investir, são sensíveis aos que perdem emprego e, sobretudo, aos que sofrem uma miséria imerecida. Até têm desprezo pelos que nenhum acesso tem à importância que eles julgam possuir!

O pavor da nossa troika, dos que nos desgovernam, é só um: a possibilidade de novas eleições.

Sabem que novas eleições levariam ao poder uma esquerda que não é mundana, mas humana; que se preocupa mais com os pobres do que com os influentes, que respeita a dignidade do fato-macaco e não confia na importância das relações com que os bacocos engravatados hipotecam o nosso País.

E isso seria perder toda a importância que os boys da Goldman Sachs julgam ter.

sexta-feira, outubro 19, 2012

 

Faleceu um amigo, um irmão, um bom poeta. Nesta hora difícil, só o silêncio de uma hora triste guarda a memória do Amigo.

Não o Sonho

Talvez sejas a breve
recordação de um sonho
de que alguém (talvez tu) acordou
(não o sonho, mas a recordação dele),
um sonho parado de que restam
apenas imagens desfeitas, pressentimentos.
Também eu não me lembro,
também eu estou preso nos meus sentidos
sem poder sair. Se pudesses ouvir,
aqui dentro, o barulho que fazem os meus sentidos,
animais acossados e perdidos
tacteando! Os meus sentidos expulsaram-me de mim,
desamarraram-me de mim e agora
só me lembro pelo lado de fora.

Manuel António Pina, in "Atropelamento e Fuga"



sábado, outubro 13, 2012

 

Esperava-se outras palavras do Sr. Cardeal Patriarca.

Com um sentimento de tristeza, passei a escrito as ideias que foram deslizando no meu pensamento e fez o texto que transcrevo e já enviei para o Semanário Grande Porto.

“Esperava-se outras palavras do Sr. Cardeal Patriarca.

Há palavras muito difíceis de compreender, vindo elas de quem vêm. O Sr. Cardeal Patriarca de Lisboa afirmou que as manifestações de rua “são uma corrosão da harmonia democrática da nossa Constituição e do nosso sistema constitucional”.

Esperava-se que o Sr. Cardeal dissesse que o nosso sistema constitucional está a ser corroído com o esvaziamento dos direitos sociais, com os mais de dois milhões de desempregados ou à procura do primeiro emprego, com a emigração de gerações que não encontram na sua Pátria o pão necessário à vida, com o roubo dos ordenados, desprezo pelos direitos adquiridos, indiferença pelos que precisam de cuidados de saúde, proteção na velhice e educação para os filhos, com a tirania dos impostos, a diminuição de rendimentos, a eliminação de direitos laborais, a recusa de uma mãe poder ter filhos por razões de desemprego ou insegurança económica, com os suicídios que crescem em quem perdeu o sentido da vida com a vergonha de uma miséria imerecida, com a perda da esperança no futuro, o medo crescente do desamparo económico, na saúde, na justiça, na educação e na velhice.

Esperava-se que o Sr. Cardeal lembrasse que a Constituição não se cumpre com a desvalorização do trabalho, o tráfico de influências, a fraude, a corrupção, um sistema partidário que criou oligarquias e cava cada vez mais fundo um divórcio entre os eleitores e os eleitos. E, ainda, quando o grande crime é guardado por gabinetes de advogados que inventam uma ficção de legalidade com uma virgula aqui, uma assinatura ali, um despacho mais à frente e, sobretudo, muitas marcações de almoços nos corredores do poder.

Esperava-se que o Sr. Cardeal não se esquecesse que a crise foi criada por garantias que, em nome do Estado, foram dadas a empréstimos para projetos que só beneficiaram alguns, pelo abuso de confiança, como o que aconteceu com o BPN, pelo desvio dos fundos sociais europeus, como o que é noticiado em relação ao projeto Tecnoforma a que o primeiro-ministro e um tal Relvas estão ligados, pela falta de regulação, ética de Estado e sentido do bem comum.

O Sr. Cardeal considera a crise um fatalismo, uma espécie de maldição que o povo, que nenhum pecado fez para que isso acontecesse, tenha de espiar, e não se refere às organizações criminosas que se aproveitam da mesma para lucros fabulosos, desumanos e terroristas.

O Sr. Cardeal Patriarca nada diz sobre a “questão social” do nosso tempo, sobre um capitalismo financeiro que esmaga a indústria, o comércio, a agricultura e todos os que precisam de trabalhar para viver e alimentar a sua família.

Tenho pena, muita pena, que o Sr. Cardeal Patriarca de Lisboa, tantos anos depois do 25 de Abril, depois do Vaticano II, de um D. Hélder da Câmara, de um D. António Ferreira Gomes e de tantos outros que viram no Sermão da Montanha o sentido da democracia, pareça colocar-se do lado da “religião” dos goldmen boys.

Tenho pena, muita pena, que o Sr. Cardeal de Lisboa siga o raciocínio do seu antecessor, Cardeal Cerejeira, e não compreenda que os direitos do Homem só se tornam possíveis pelos direitos dos cidadãos, que, só no quadro do exercício da cidadania, é possível melhor estado e que ser cidadão é criar expectativas, tomar a palavra para as defender e exercer o dever de se manifestar solidariamente na luta pelo direito ao pão, ao trabalho e à justiça.

Tenho pena, muita pena que as palavras do Sr. Cardeal Patriarca nos queiram fazer desistir do país e não tenham servido para contrariar a ideia de que “a religião é o ópio do povo”, tal como Karl Marx, em tempos semelhantes aos que hoje vivemos, pensou”.


segunda-feira, outubro 08, 2012

 

Regresso á terra.

Retomo, em breve, o caminho que me leva a S. João da Folhada. Faço-o como fizeram os povos do Paleolítico que, no séc. IV a. C., seguindo as vias naturais do Douro, do Tâmega e do Ovelha, ali encontraram o local privilegiado para se protegerem dos perigos troikianos do seu tempo e onde 26 dólmens, no cimo da Serra da Aboboreira, evidenciam as suas pegadas.

Sinto-me lá bem! Raramente vejo televisão e só leio os jornais quando vou à Terra de Teixeira de Pascoais.

Coloco nos ombros inábeis a divisa de agricultor e grito ordens enrouquecidas aos meus três perdigueiros. Ali, ter cães ou é para guardar ovelhas ou para caçar.

Não se pode pensar, como julgam muitos urbanos, que o propósito único da caça é matar. O caçador não mata, caça e já por ali cacei três perdizes. O entusiasmo pelas caçadas é o mesmo que desperta a vontade de um bom convívio e sempre ocasionou e urdiu, entre os que a praticam, fortes laços de amizade.

A propósito, um dos grande filósofos espanhóis, Ortega e Gasset, no seu ensaio “Sobre a caça e os touros”, refere que “uma das mais ilustres amizades que existiram no planeta Terra, a que se estabeleceu entre o grego Políbio e o Cipião Emiliano, foi ocasionada e aprofundada nas caçadas”.

Não deixa de ser sintomático que o repúdio pela caça tenha surgido com o argumento da defesa dos direitos dos animais num dos períodos da modernidade de maior degradação moral, onde o egoísmo e o individualismo foram levados ao extremo na sua indiferença pelo valor da dignidade humana. Durante o nazismo, enquanto se cometiam os hediondos crimes contra a humanidade, as elites que sustentavam esse regime desumano, exibiam os seus cãezinhos de luxo, em nome dos direitos dos animais.

Os meus cãezinhos não são de luxo, são perdigueiros que tenho como bons amigos, me fazem feliz e aventureiro nas encostas da Serra.

Até para a semana, bons amigos. E se quiserem por lá aparecer, já sabem que podem contar com um naco de presunto, um verde branco excecional e um abraço deste amigo.


sexta-feira, outubro 05, 2012

 

Economia sem coração

Um texto que vale a pena ler de Viriato Soromenho-Marques:

Há pessoas assim. O mundo pode perecer, desde que o seu ego gigantesco não sofra qualquer dano. Fortunato Frederico, um dos mais notáveis empresários apoucados por António Borges (AB), guru económico do primeiro-ministro (PM), comentou que a baixa da TSU "era uma medida sem pés nem cabeça, sem coração". Para AB, isso não passa de "ignorância", merecendo reprovação no exame da cadeira que ensina numa universidade. AB ficou com uma ferida narcísica, pois foi ele quem ditou ao PM o repulsivo discurso de 7 de setembro. Mas o mais importante é perceber que economia ensina AB nas suas aulas. Recentemente, Luigi Zingales, professor na Universidade de Chicago, onde se celebrizou um dos profetas do ultraliberalismo económico, Milton Friedman, assinalava a miséria ética de grande parte dos cursos de Economia e Gestão. O título do seu artigo fala por si: "Será que as Escolas de Negócios são incubadoras de Criminosos?" Na verdade, nos últimos 30 anos, muitos círculos académicos têm-se concentrado na primeira parte do lema de Friedman - "a primeira e única responsabilidade da empresa é aumentar os seus lucros" -, esquecendo-se do resto da frase - "na medida em que se respeitem as regras do jogo, de uma competição aberta, livre, sem engano nem fraude". A economia foi fundada em 1776 por Adam Smith, um dos mais importantes escritores morais de sempre. Nessa altura, chamava-se "política". A economia não fazia abstração das pessoas, nem das suas relações e valores. Hoje, o que falta em pensamento amplo sobra no malabarismo dos modelos, manejados por aprendizes de feiticeiro. Analfabetos éticos que têm semeado, com impunidade, a ruína pelo mundo. Do subprime ao escândalo da Libor. Ensinando uma opinião arrogante, disfarçada de ciência. Uma economia sem "coração", nem economia chega a ser. Já "chumbou" no exame da Vida.







 

Libertemos a República

A República faz parte da minha natureza, mas hoje sinto-a presa a uma noite escura. Foi comemorada à porta fechada, de pernas para o ar e isso não é comemorar a República.

Tendo sido, em julgamento, perguntado a um soldado da revolução do 31 de Janeiro o que era para ele a República, respondeu como quem sente fazer parte daquilo que se ama muito: “é a minha mãe”. Por alguma razão, mãe também significa terra.

A República sempre foi um torrão comum, onde todos poderiam partilhar preocupações, afectos, memórias e criar expectativas. A República foi-nos confiscada. Sobre a República caiu, hoje, uma pesada mortalha, já não tem luz nem sonhos e celebrá-la só pode ser como Ana Maria, hoje, a cantou:

“Pedra em que a vida se alicerça,
Argamassa e nervo,
Pega-lhe como um senhor
E nunca como um servo”.

Ser, hoje, republicano é ser resistente, sonâmbulo numa noite triste, com lágrimas latejando uma profunda revolta e nos lábios a soletrar a continuação da canção com que Ana Mari a nos devolveu a capacidade de resistir, apelar a que a República de pernas para o ar não continue a sangrar a nossa dignidade de portugueses, a “não deixar que o travor das lágrimas embargue a nossa voz”:

“Não seja o travor das lágrimas
Capaz de embargar-te a voz;
Que a boca a sorrir não mate
Nos lábios o brado de combate”.
http://www.youtube.com/watch?v=fKY8oplEH8w

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