quarta-feira, junho 30, 2010

 

* Carta para Josefa, minha avó

"Tens noventa anos. És velha, dolorida. Dizes-me que foste a mais bela rapariga do teu tempo – e eu acredito. Não sabes ler. Tens as mãos grossas e deformadas, os pés encortiçados. Carregaste à cabeça toneladas de restolho e lenha, albufeiras de água. Viste nascer o sol todos os dias. De todo o pão que amassaste se faria um banquete universal. Criaste pessoas e gado, meteste os bácoros na tua própria cama quando o frio ameaçava gelá-los. Contaste-me histórias de aparições e lobisomens, velhas questões de família, um crime de morte. Trave da tua casa, lume da tua lareira – sete vezes engravidaste, sete vezes deste à luz.

Não sabes nada do mundo. Não entendes de política, nem de economia, nem de literatura, nem de filosofia, nem de religião. Herdaste umas centenas de palavras práticas, um vocabulário elementar. Com isto viveste e vais vivendo. És sensível às catástrofes e também aos casos de rua, aos casamentos de princesas e ao roubo dos coelhos da vizinha. Tens grandes ódios por motivos de que já perdeste a lembrança, grandes dedicações que assentam em coisa nenhuma. Vives. Para ti, a palavra Vietname é apenas um som bárbaro que não condiz com o teu círculo de légua e meia de raio. Da fome sabes alguma coisa: já viste uma bandeira negra içada na torre da igreja. (Contaste-me tu, ou terei sonhado que o contavas?) Transportas contigo o teu pequeno casulo de interesses. E, no entanto, tens os olhos claros e és alegre. O teu riso é como um foguete de cores. Como tu, não vi rir ninguém.

Estou diante de ti, e não entendo. Sou da tua carne e do teu sangue, mas não entendo. Vieste a este mundo e não curaste de saber o que é o mundo. Chegas ao fim da vida, e o mundo ainda é, para ti, o que era quando nasceste: uma interrogação, um mistério inacessível, uma coisa que não faz parte da tua herança: quinhentas palavras, um quintal a que em cinco minutos se dá a volta, uma casa de telha-vã e chão de barro. Aperto a tua mão calosa, passo a minha mão pela tua face enrijada e pelos teus cabelos brancos, partidos
pelo peso dos carregos – e continuo a não entender. Foste bela, dizes, e bem vejo que és inteligente. Por que foi então que te roubaram o mundo? Mas disto talvez entenda eu, e dir-te-ia o como, o porquê e o quando se soubesse escolher das minhas inumeráveis palavras as que tu pudesses compreender. Já não vale a pena. O mundo continuará sem ti – e sem mim. Não teremos dito um ao outro o que mais importava.

Não teremos realmente? Eu não te terei dado, porque as minhas palavras não são as tuas, o mundo que te era devido. Fico com esta culpa de que me não acusas – e isso ainda é pior. Mas porquê, avó, porque te sentas tu na soleira da tua porta, aberta para a noite estrelada e imensa, para o céu de que nada sabes e por onde nunca viajarás, para o silêncio dos campos e das árvores assombradas, e dizes, com a tranquila serenidade dos teus noventa anos e o fogo da tua adolescência nunca perdida: “O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer!”.


É isto que eu não entendo – mas a culpa não é tua.


*“Carta para Josefa, minha avó”, publicada por Saramago, em 14 de Março de
1968, no jornal lisboeta “A Capital”*

terça-feira, junho 29, 2010

 
Portugal perdeu por 1/0 com Espanha. David Villa foi o marcador do único golo.


A maioria dos espanhóis apostavam neste resultado e em David Villa.

Mas a vida continua...

domingo, junho 27, 2010

 

"Até quando?"

Mais de cem mil vítimas do fascismo franquista interrogam-nos do seu túmulo: “Não tive julgamento, nem advogado, nem sentença. Os meus familiares continuam a procurar-me. Até quando?”

Dar resposta a estas perguntas foi o que pretendeu o Juiz Baltazar Garzón. Os fascistas conseguiram silenciar Grazón, com a complacência do PSOE de Zapatero e do PP de Mariano Rajoy.

Entre nós, a crise económica, social e moral vai criando condições para o branqueamento do fascismo e já poucos se lembram das Catarinas que morreram às mãos da PIDE.

Pedro Almodóvar e Javier Bardem dão voz às vítimas da intolerância fascista num vídeo. Não podemos “apagar a memória”. Também, entre nós, falta este apelo à consciência cívica, ao direito à justiça.

Os crimes contra a humanidade sempre surgiram em momentos de crise económica, social e moral. Convém recordar que algumas dessas vítimas procuraram refúgio nas nossas fronteiras e, depois de serem exploradas por muitos dos que as receberam, foram entregues à polícia fascista espanhola por alguns trocos.

Ouçamos o aplelo:  http://www.youtube.com/watch?v=Xf8oZKEejD8

sábado, junho 26, 2010

 

Dá que pensar!

A lassidão moral deriva da adoração exclusiva à deusa-sucesso. Isso… junto o à imunda interpretação monetária que foi dada à palavra Sucesso… é que é verdadeiramente a nossa doença nacional.


William James

 

Mais uma cimeira do G8 e do G20

No Canadá está reunido o grupo de países mais ricos do mundo, conhecido por G8 e, de forma mais alargada, G20. A retórica é sempre a mesma: estão preocupados com a pobreza, com a crise económica e financeira. Querem encontrar respostas para esta situação.

A poucas centenas de metros, ouvem-se os protestos de milhares de manifestantes contra a hipocrisia destas cimeiras e os avultados custos das mesmas (mil milhões de euros). Entretanto, a ONU continua a proclamar aquilo que é uma evidência: a pobreza no mundo aumenta na razão inversa da riqueza. Isto é, desenvolve-se no mundo uma espécie de darwinismo social: os ricos são cada vez mais ricos e em menor número e os pobres cada vez mais pobres e em maior número.


O problema da crise não é só estrutural das economias dos países mais pobres, mas sobretudo o resultado do egoísmo desenfreado, da corrupção e da desregulamentação do mercado.


Há quem diga que este problema não se resolverá com estas cimeiras, mas com o desenvolvimento de um sentimento de revolta que explodirá tragicamente em guerra, mais cedo ou mais tarde.

 

Falar verdade a mentir

Às segundas-feiras é preciso falar verdade aos portugueses, às terças é preciso imprimir confiança e não dizer toda a verdade. Os códigos de honra das máfias impediam os mafiosos de dizer a verdade sobre a “Causa Nostra”. Dizer a verdade ou não dizer foi resolvido por Garrett, com a peça de teatro “Falar verdade a mentir”. A peça, composta por apenas um acto, conta a história de Duarte, um charlatão mentiroso compulsivo que faz da sua vida um aproveitar contínuo de oportunidades fáceis. Na verdade, há demasiados “duartes” neste mundo à beira-mar plantado, para quem a compreensão da “coisa pública”é um direito de alguns e aos outros resta o dever de pagar cegamente os impostos que os primeiros impõem. E viva a República!

sexta-feira, junho 25, 2010

 

A política não é uma "guerra"

No semanário Grande Porto vem o texto que escrevi e, agora, transcrevo:

«A política não é uma “guerra”

Esta semana, um enorme buzinão contra a introdução de portagens nas Scut do Norte foi um sinal evidente de que cresce uma revolta entre os cidadãos.

Sócrates tem seguido na política a inversão do princípio de Clausewitz: “a política é uma continuação da guerra”.

Ataca em vez de responder às questões e em vez de diálogo usa o cinismo. Fez guerra aos funcionários públicos, aos professores, aos juízes, a todas as classes sociais e acaba, agora, de se pôr em guerra contra os utilizadores das Scut.

As consequências estão à vista: as sondagens denunciam a queda acentuada do PS e o mal-estar grassa em todos os cidadãos. Sentem-se sufocados pelos impostos directos e indirectos e por não contarem, num regime democrático, para a construção de um país mais justo e mais solidário.

Os portugueses que vivem do seu trabalho, como dizem estudos recentes, desde há três anos que vêem o seu poder de compra diminuir. Acompanhando o desemprego, aumenta, de forma galopante, a pobreza e do lado dos que trabalham há um pavor pelo receio da perda do seu posto de trabalho.

O País está velho e o seu interior vai ficando desertificado pela carência de condições para viver: fecham-se escolas, centros de saúde, postos de polícia, repartições, tudo aquilo que as pessoas precisam para viver em comunidade.

Os cidadãos estão desesperados e já não suportam tantos impostos directos ou indirectos.

Ninguém percebe por que é que hão-de ser sempre os mesmos, os que vivem do seu trabalho, os mais pobres, a pagar uma crise de que não são responsáveis.

Há reformas que não se fazem, porque a liderança partidária do PS e do PSD não quer diminuir os privilégios dos que vivem da política -- os barões e boys que os apoiam. Por isso, continuam os governos civis que nenhum interesse têm, as empresas municipais com empregos de conveniência e dívidas colossais, os institutos que só servem para sorver o dinheiro dos contribuintes, uma frota de automóveis do Estado que não se justifica e um “exército” de assessores que enxameiam os ministérios, as autarquias e outras instituições do Estado, etc.

Em tudo isto há milhões de euros esbanjados e nada se faz para evitar este desperdício.

O buzinão foi mais do que um protesto: foi um sinal de que lavra no País um desespero com consequências imprevisíveis.


Não vale a pena meter a cabeça na areia, como faz a avestruz: Rui Rio, Carlos Lage e D. Clemente têm razão no diagnóstico que fazem».

quinta-feira, junho 24, 2010

 

Recusa do big brother


Felizmente, um big brother não vai andar no banco de trás dos nossos carros. Os chips não vão ser aprovados na Assembleia da República.

O PS cada vez fica pior na fotografia do respeito pelos direitos dos cidadãos, nomeadamente à privacidade.

terça-feira, junho 22, 2010

 

Em jeito de homenagem


Nunca fui do PCP, mas sempre tive grande admiração pela inteligência, capacidade de luta e coerência de Álvaro Cunhal.

Aqui deixo uma modestíssima homenagem, no dia em que se comemora 60 anos do seu julgamento no Tribunal Plenário de Lisboa.


Pouca gente se lembrará do que foram esses julgamentos. Geralmente eram feitos à porta fechada e sempre num clima de grande intimidação, com pides por todo o lado. A sentença acompanhava sempre o que pedia o delegado do Governo, o procurador, e este ditava em Tribunal o que a PIDE queria.

Cunhal, depois de muito torturado (tortura do sono, de estátua e outras) apresentou-se em Tribunal com uma dignidade impar: de acusado, tornou-se, sem medo, em acusador do regime fascista.

A partir do seu exemplo, passou a ser esse o comportamento de muitos militantes do PC nos julgamentos.

Álvaro Cunhal viveu até à sua morte de pé, firme nas sua convicções, e agindo sempre em coerência com o que acreditava. Merece, por isso, o nosso respeito e admiração.

 

O despero aumenta e as consequências são imprevisíveis.


Hoje um grande buzinão na via de cintura interna do Porto protesta contra a introdução de portagens na SCUT.


É surpreendente a adesão que se verifica nesta altura, 18 h.

Os cidadãos estão desesperados e já não suportam tantos impostos directos ou indirectos. Todos se vêem na fila que os ameaça com um aumento galopante de pobreza. O País está velho e o seu interior vai ficando desertificado pela carência cada vez maior de condições para viver: fecham-se escolas, centros de saúde, postos de polícia, repartições, tudo aquilo que as pessoas precisam para viver em comunidade.

Ninguém percebe por que é que hão-de ser sempre os mesmos, os que vivem do seu trabalho, os mais pobres, a pagar a crise.

Há reformas que não se fazem, porque a liderança partidária do PS e do PSD não quer criar problemas aos barões e boys que os apoiam. Por isso, continuam os governos civis que nenhum interesse têm, as empresas municipais com dívidas colossais e empregos de conveniência, muitos institutos que só servem para sorver o dinheiro dos contribuintes e uma frota de automóveis do Estado que se renova e não se justifica. Em tudo isto há milhões de euros esbanjados e nada se faz para evitar este desperdício.

Os cidadãos sentem-se injustiçados e a revolta começa a larvar. Não temos lideranças políticas com sentido de Estado.

O buzinão de hoje dá testemunho dum desespero insuportável. Rui Rio tem razão no diagnóstico que, hoje, faz a este propósito.

segunda-feira, junho 21, 2010

 

Gente avisada!

Segundo um estudo da GfK, os portugueses confiam pouco nos políticos, advogados, banqueiros, gestores de grandes empresas e juízes. Acreditam mais nos bombeiros, professores e carteiros.

E, talvez, agora, também confiem na Selecção Nacional de Futebol.

 

Somos assim!...

A Coreia do Norte está a perder por 7/0. Portugal passou de besta a bestial. Somos assim!...

Então, esperando a Argentina, dancemos o tango:
http://www.youtube.com/watch?v=vp6_FwGDtRM

sábado, junho 19, 2010

 

Observação displicente

Não sei por quê, mas ao ouvir Sócrates negar ter tido intervenção no negócio da PT /TVI para “correr” com Manuela Moura Guedes e José Eduardo Moniz e ao exigir que a oposição lhe peça desculpa, ao mesmo tempo que afirma  não esperar tal atitude por falta de grandeza moral (da oposição, presume-se!), faz-me lembrar o anúncio em foto.


sexta-feira, junho 18, 2010

 

Em jeito de homenagem a Saramago.

Faleceu José de Sousa Saramago. Conheci-o na Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto.


Saramago bateu-se sempre pelos ideais, era um homem frontal, sem rodriguinhos ou hipocrisias. Dizia o que pensava, sem receios, num País cheio de gente gelatinosa. Merece, por isso, o nosso respeito e consideração.

O reconhecimento da qualidade do seu pensamento e da sua escrita foi feito pela Academia que lhe atribuiu o Nobel da Literatura. Muitas das suas obras, como “Ensaio Sobre a Cegueira”, foram adaptadas para o cinema. Foi jornalista e, para além da “Capital”, também escreveu em jornais da província, como o Jornal do Fundão.

A sua escrita era polémica, como a escrita de todos os génios. Começou por ser serralheiro mecânico e fez o curso liceal à noite. Gostava de ler, de ler muito e aí nasceu a sua vocação para a escrita.

O seu primeiro romance foi “Terra do Pecado”. A sua obra em prosa é monumental, mas também escreveu poesia, “Os Poemas Possíveis”.

A Saramago se deve uma grande parte do reconhecimento internacional da prosa em língua portuguesa e nisso prestou a Portugal e à sua imagem um serviço inquestionável. Em vários países, de diferentes continentes, havia um cátedra de José Saramago.

Azinhaga da Golegã, que o viu nascer em 16 de Novembro de 1922, está de luto.

Em jeito de homenagem, deixamos um pequeno texto de crítica ao neoliberalismo, que está, hoje, muito actual.

«Privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei, privatize-se a nuvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno e de olhos abertos. E finalmente, para florão e remate de tanto privatizar, privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional. Aí se encontra a salvação do mundo... e, já agora, privatize-se também a puta que os pariu a todos.»


José Saramago - Cadernos de Lanzarote - Diário III - pag. 148

E já agora  visitem o seu blog http://blog.josesaramago.org/

quinta-feira, junho 17, 2010

 

Pensamento do ano.

“(…) num país, onde a inteligência é um capital inútil e onde o único capital deveras produtivo é a falta de vergonha e a falta de escrúpulos – o diagnóstico impõe-se de per si. Será Portugal, na frase cruel do lord inglês, -- uma nação morta, destinada a ser devorada pelas nações vivas?


Manuel Laranjeira In:”O pessimismo Nacional””

sexta-feira, junho 11, 2010

 

A minha homenagem ao Padre João Resina

Soube, hoje, pelo “Público”, que faleceu o Padre João Resina Rodrigues. Foi meu professor no Seminário dos Olivais.

Para ali fui estudar, como muitos outros, depois de ter andado nos estudos liceais e dois anos no Seminário de Vilar. Era uma vocação tardia, contra a vontade da família, como tinha sido a do Padre João Resina, engenheiro químico e professor do IST.


Guardo, ainda, hoje, os seus apontamentos de Filosofia. São de uma cristalina clareza. Foi ele que me levou a ler Teilhard de Chardin e aprendi com ele que a compreensão do Universo era uma questão da física, enquanto que o sentido da existência já poderia ser da Teologia.


Estou a ver o padre João Resina na aula. Era, na altura, um homem elegante, magro, bem vestido e, enquanto explicava, com uma voz límpida e calma, poderia ouvir-se uma mosca a passar.


Lá onde estará, receba a minha enorme admiração e respeito. Muito lhe devo pela sua referência intelectual, moral e espiritual.

quinta-feira, junho 10, 2010

 

A pós modernidade socrática

Fiz o texto (que transcrevo) para o “Semanário Grande Porto”, edição de amanhã. Como só poderiam ser publicados 2.500 caracteres, tive de retirar algumas passagens. Mas fica aqui o texto integral,

A pós-modernidade socrática

Sócrates não se cansa de afirmar que “o mundo mudou” e di-lo como se essa mudança tivesse uma via única. E essa via, na sua retórica, só tem a direcção da pós-modernidade. Encantou-se com o conceito, mas ninguém lhe terá dito que foi utilizado por Lyotard para exercer uma forte crítica ao vazio ético do nosso tempo, caracterizado pela perda de sentido das grandes instituições morais, sociais e políticas, pelo desinvestimento nas ideologias, pela substituição das éticas apoiadas em imperativos do dever pelas motivações individuais, pelo individualismo, hedonismo e narcisismo. E, enquanto a modernidade ligava a política ao mundo da vida e construía narrativas de empenhamento em causas que procuravam dar esperança a um futuro melhor, a perspectiva pós-moderna transforma a política num utilitarismo, em jogos de sedução e num espectáculo de ilusões.


Harmoniza-se, por isso, com o estilo de governação socrática. Ao nível dos valores abateu todas as referências que orientavam modos de viver e nivelou tudo pela mesma fasquia, como é patente na legislação que coloca o casamento heterossexual ao mesmo nível que o homossexual. Só deixou como relevante o que preenche o seu “ego” e responde às suas preocupações narcísicas.


O seu narcisismo não está só na forma de vestir, mas também na teatralização dos gestos e das expressões de rosto que parecem moldadas ao espelho para repetir as mesmas ideias, as mesmas frases e sempre num tom que parece causar em si próprio a surpresa de ter “tanto engenho e arte”. Seja o que for que Sócrates inaugure pela primeira ou vigésima vez é, na sua retórica, “o que precisava de ser feito, o que fazia falta e o que só ele era capaz de fazer.”


O pós-moderno socrático é um desígnio de governação iluminada conjugado na primeira pessoa. Só ele (Sócrates) sabe o que está certo e só ele o pode realizar. Este delírio, que no dizer de José Gil (in: “Em busca da identidade”) alimenta “toda a máquina de propaganda do governo, transforma o que é banal num acontecimento único”. E neste “fingimento”, o exercício da política torna-se no resultado de “golpes de chico-espertismo”.


Por isso, Lipovetsky, chama ao pós-moderno “A era do vazio”, marcada pela ausência de valores, pelo “zapping” nas atitudes (mudando de cartada, conforme as conveniências; dizendo uma coisa e o seu contrário), pela queda da personalidade, das ideologias, do sentido de estado e dos valores da honra, da verticalidade, da solidariedade e da dignidade.

Mas, enquanto Sócrates anuncia um novo mundo, o mundo continua o mesmo e só os seus problemas e a interpretação dos mesmos é que vai mudando. Como diria António Gedeão,”Cada um é seus caminhos! / Onde Sancho vê moinhos, / D. Quixote vê gigantes.”

Muitos se preocupam em contrariar a lógica do ponto de vista pós-moderno.

Habermas (Filósofo alemão da Escola de Frankfurt) pensa que perante a complexidade dos problemas do nosso tempo, as incertezas em que vivemos, é possível recuperar o espírito da modernidade, partindo de um novo paradigma que envolva os múltiplos pontos de vista dos cidadãos em projectos de interesse comum.

Entende que as soluções verticais não envolvem todos os interessados na procura do bem comum. Só a construção de consensos pode empenhar diferentes perspectivas. Considera que, pelas palavras, não só pensamos como comunicamos e agimos. E, num mundo cada vez mais dominado por incertezas, defende que devemos substituir a capacidade de utilizar a razão (“razão instrumental”) como instrumento para elaborar meios para fins de domínio, por uma “razão comunicativa” capaz de se abrir, com regras, ao diálogo, que articule os diferentes interesses, de modo a que possam conviver na procura de consensos.


E nas políticas públicas, o consenso é a expressão de um ideal, potencializador da recuperação da utopia de uma nova modernidade, gerando políticas que caminhem no sentido de alcançar o objectivo de um “bom-governo”: diminuir o sofrimento dos que mais sofrem.


Este poderia ser o paradigma do PS. Mas isso exigia afirmação das suas raízes ideológicas, promover a solidariedade que dá sentido á sua bandeira e desenvolver, pelo diálogo, o capital social necessário para gerar confiança em projectos que tornem o País mais justo e mais próspero.

 

I0 de Junho

No dia 10 de Junho recordo velhos tempos, tempos difíceis, por vezes terríveis com os problemas de consciência e de vida que traziam, mas também foram tempos em que fiz bons amigos, empenhados na causa da liberdade e da justiça, e que hoje foram justamente homenageados.

segunda-feira, junho 07, 2010

 

Dar exemplos de austeridade

Naturalmente, concordamos com Passos Coelho que o exemplo de austeridade tem de partir do estado, promovendo o fim dos “papa-reformas”, limites na Constituição para débitos no Estado, autarquias, empresas municipais, acabar com os ordenados milionários a gestores de empresas participadas, etc. etc.

Não percebemos  como é possível que o Estado gaste milhões com edifícios alugados para tribunais, repartições de finanças, etc, e disponha de inúmeros edifícios vagos, como, p. ex., ex-quarteis, que estão a se degradar por falta de utilização. Também não entendemos que os outros partidos, nomeadamente o BE, não apoie esta iniciativa.

domingo, junho 06, 2010

 

Passos Coelho e Sócrates

Pedro Passos Coelho vai-se assemelhando cada vez mais a Sócrates. Segundo o Sol, pediu hoje aos militantes do seu partido para não se preocuparem com as críticas que o PS, BE e P C fazem sobre a linha política social democrata.


Ora meter a cabeça na areia para não ouvir críticas é o pior que pode fazer um líder. Sócrates também diabolizou quem lhe fez críticas, nomeadamente as que vinham do PSD. Seguir o mesmo caminho é mau agoiro. A crítica é o ácido que corrói o erro, como diria Descartes. Ninguém corrige erros, se não estiver aberto às críticas (venham elas de qualquer quadrante). E, de facto, não se percebe que social-democracia defende Passos Coelho, se quer ainda flexibilizar mais o desemprego. Coisa que o próprio patronato diz não ser necessário, porque os problemas das empresas são outros.Espero que as sondagens a seu favor desçam: é a única forma de perceber que por esse caminho não vai a lado nenhum.



sábado, junho 05, 2010

 

No dia do ambiente

O mundo é a nossa casa. No dia do ambiente convém lembrar dois princípios, associados ao princípio da Responsabilidade de Hans Jonas


a)- Princípio da Prevenção: diz respeito aos riscos concretos. Assim, as entidades que utilizam, experimentam ou comercializam substâncias perigosas ou que podem causar riscos ambientais ou outros devem promover um estudo de avaliação das consequências de tais riscos, do seu impacto na qualidade de vida antes de iniciarem ou realizarem qualquer actividade. Corresponde, sob o ponto de vista moral, a um dever de preventividade objectiva.


b)- Princípio da Precaução: diz respeito aos riscos abstractos. Determina que onde se pensa poder existir, com determinada acção, ameaças de riscos sérios ou irreversíveis para o ambiente ou qualidade de vida, a ausência de certezas científicas confirmadas não pode servir de álibi para desenvolver as mesmas. Deve-se evitar toda a acção sobre o meio-ambiente que se desconfie poder ter efeitos perversos.


Tais princípios procuram abrir espaço a uma cultura de responsabilidade.

quinta-feira, junho 03, 2010

 

Está na Feira do Livro

Na editora Afrontamento estão dois livros meus. A Ideia de Progresso em Thomas Kuhn no contexto da "Nova Filosofia da Ciência", com prefácio do prof. Dr. José Madureira Pinto e um um outro:"Loke. A "Carta sobre a Tolerância" no seu contexto filosófico.


Ainda gosto do que escrevi e, por isso, aconselho a leitura destes livros. Tenho outro, há já bastante tempo, na mesma Editora: “Horizontes da ética - para uma cidadania responsável.”. Espero que saia no próximo mês.

 

Um livro a não perder na Feira do Livro.

Estou a ler um livro recente sobre Keynes. Traz textos do economista sobre “A Grande Crise”.

A introdução é d Manuel Resende e é brilhante (como se esperava). Retive já três ideias:

“A economia é um assunto demasiado sério para ser deixado aos economistas”.

“A economia não é um simples exercício de cálculo num gabinete, mas matéria viva que afecta a existência de milhões de pessoas.”

“É preciso integrar o tempo na economia, ligando o presente ao presente e o presente ao futuro”.


Muito se fala de keynes, mas poucos o conhecerão de facto. Este livro (J.M.Keynes – A grande Crise e outros textos) da "Relógio de Água" é um bom instrumento, num tempo de crise, para se entender o autor da Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda.


É pena que os nossos liberais não tenham tempo para ler este economista que pertenceu ao partido liberal de Inglaterra, mas tão distante está dos nossos “feiticeiros do liberalismo”

quarta-feira, junho 02, 2010

 

"Chico-espertismo"

Sócrates diz que já há "sinais positivos" de "inversão" de tendência do desemprego. Pensa que só ele sabe que no Verão os restaurantes, os hoteis e as praias precisam de funcionários. Mas são só três meses.

O cinismo dos chicos-espertos é conceber o emprego como um número e não como um direito do ser humano à sua sobrevivência. Despedir estes chicos-espertoa já não é uma questão política, mas higiénica.

terça-feira, junho 01, 2010

 

Prémio Camões 2010


Traduzir-se

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?

Ferreira Gullar
De Na Vertigem do Dia (1975-1980)
http://www.lendo.org/poesias-de-ferreira-gullar/

 

Dia mundial da Criança e dos Direitos Humanos

Lembro-me da minha neta
Que toda a infância seja única, com pássaros a esvoaçar
Madrugadas de amigos onde a imaginação faz poesia.
Que tenha firmeza para ter segurança
E que a tarde apareça num barco de esperanças.
E que sejas feliz, fazendo felizes todas as que contigo convivem
Rasgando, num mundo de cimento e cinzento, sorrisos, sonhos e acenando manhãs de alegria.

http://www.youtube.com/watch?v=ce8d0Z8WPyY

This page is powered by Blogger. Isn't yours?