sábado, setembro 30, 2006

 

Homens de “boa-consciência”

O País está a transbordar de homens de “boa-consciência”. Um deles, como seria de esperar, é Valentim Loureiro. Pertence aos chamados grandes rostos do Portugal de hoje.

Noticia-se, hoje, que este “Homem da Bola” ou, como também lhe chamam “dono da bola”, numa conferência de imprensa, muito concorrida (onde passou por vários estados de espírito, desde o tom inflamado com que abordou as "jogadas de bastidores" para pressionar a sua demissão até à emoção da despedida, vertendo lágrimas) afirmou, peremptoriamente, estar de "consciência tranquila".


Ora, convém analisar bem a “consciência” para compreender a sua “tranquilidade”, como juiz de comportamentos. E, para isso, nada melhor do que percorrer os ensinamentos dos filósofos.

Segundo Hegel, a consciência está cheia de contradições, dividida entre o puro dever e o fazer impuro. Só o saber reconhecer erros pode redimir a consciência das suas imperfeições.


Nietzsche viu na consciência a “voz do rebanho” e fez notar que muitas vezes a consciência não é outra coisa senão a “voz da vizinha”.

Karl Marx , quase sempre abominado pelos homens de “boa-consciência”, fez saber que a consciência não é pura, uma vez que reflecte os interesses da cultura dominante.

Aristóteles identificou a consciência com a “recta razão”. Mas isso, hoje, também já não faz sentido. As geometrias não-euclidianas, como as de Lobatchevsky, Rieman e outras vieram demonstrar que há vários modelos lógicos e, assim, desmoronou-se a ideia de uma única racionalidade depositária dos primeiros princípios fundamentadores não só do conhecimento como da própria consciência. Não há mais a razão ou a consciência (singular e unívoca) mas as razões ou consciências (plurais e segundo modelos ou pontos de vista de conveniência).

Por último, o sociólogo Max Weber, numa conferência na Universidade de Munique (1917), defendeu que a ética da convicção e a ética da responsabilidade são inseparáveis. No seu entender, a consciência deve ser avaliada pelos seus frutos, pelas consequências das acções que orientou e não o contrário. Ou seja, sempre que ouvimos invocar a consciência para justificar comportamentos, o melhor é metermos a mão ao bolso interior do casaco para verificar se com a consciência tranquila não nos levaram a carteira.

Como se vê, não é aconselhável aceitar a invocação da consciência para justificar comportamentos

Talvez, por isso, tenha razão o ditado popular: “ninguém é juiz em causa própria” ou, então, “elogio em boca própria é vitupério”.



sexta-feira, setembro 29, 2006

 

Um nojo.

Com o título “A Estratégia da Aranha”, José Manuel Fernandes escreve, hoje, no "Público" um ranhoso editorial, de puro “bota-abaixo”, contra o novo presidente do STJ.

O editorialista, por certo, não conhece Noronha Nascimento como pessoa de carácter e Homem de bem, que sempre se bateu pelas suas convicções e sempre soube afirmar os valores em que acredita. Mas como poderia avaliar tudo isso um editorialista arrependido de ser marxista-leninista e que acumula a direcção de um jornal com a sua administração?!...

Devo dizer que não sou magistrado, penso que a justiça está numa profunda crise (e já senti isso!), mas enojou-me este editorial de JMF no "Público" por ser injusto, desilegante e despropositado.

quinta-feira, setembro 28, 2006

 

HINO À NOITE














As negras multidões de árvores não se movem
mais do que as montanhas. As estrelas enchem um
imenso céu. Um bafo quente como humano sopro aca-
ricia-me os olhos e as faces.

Noite que pariste os Deuses! como em meus
lábios tu és doce! como os meus cabelos acalentas! como
em mim penetras esta noite, e como me sinto prenhe de
toda a tua primavera!

As flores que vão desabrochar, de mim hão-de
nascer. O vento que respira é o meu hálito. O perfume
que perpassa é o meu desejo. E todas as estrelas nos meus
olhos pairam.

Será essa tua voz o fragor do mar ou o silêncio dos
campos? Tua voz não entendo; mas só de ouvi-la sinto-
-me alterada, e escorrem-me as lágrimas por ambas as
mãos.

Pierre Louÿs

As canções de Bilitis Versão portuguesa de Júlio Henriques
Enviado por Amélia Pais
http://barcosflores.blogspot.com/http:/
cristalina.multiply.com/

 

Novo Presidente do S.T.J.

O juiz conselheiro Noronha do Nascimento foi, hoje, eleito presidente do Supremo Tribunal de Justiça.

Conhecemo-lo há muitos anos e temos por ele muita admiração e estima.

Os nossos parabéns.

quarta-feira, setembro 27, 2006

 

Ainda o "Compre-me isso Portugal"

Saúdo com alegria a “Carta aberta à Entidade Reguladora da Comunicação Social” publicada, hoje, no “Público”, a propósito do “Compre-me isso Portugal”.

Finalmente, apareceu um grupo de intelectuais, alguns deles conhecidos académicos, a denunciarem a desmesurada ênfase dada pelos “media” ao “Compromisso Portugal”, ênfase injustificada pelo baixo nível de análise critica produzida por esse fórum.

E essa “Carta” é tanto mais relevante, quanto foi oportuna, surgindo no mesmo dia em que é publicado o relatório sobre competitividade do Fórum Económico Mundial.

Este relatório, noticiado pelo Diário de Notícias de hoje, é contundente: ao contrário do que pregam os arautos da superioridade da iniciativa e da gestão privada, os problemas da economia nacional não estão no Estado, mas na incompetência dos empresários e gestores privados.

Portugal, segundo o referido relatório, desceu do 31.º lugar para o 34.º entre 125 países em análise, fundamentalmente por causa do mau funcionamento das instituições privadas. O relatório refere, inclusivamente, a falta de preparação de gestores e empresários e presta um elogio às instituições públicas, nomeadamente da saúde e da educação.

Afinal, o problema não está no Estado, mas na incompetência dos “gurus” do neoliberalismo.

Naturalmente, deriva da natureza da incompetência não dar conta dessa circunstância e de, sem pudor, pretender arrogar-se no direito de representar a sociedade civil. E é isso que acontece com os “gurus” do neoliberalismo do sector privado reunidos no “conclave do Beato”.

terça-feira, setembro 26, 2006

 

Má sorte!...

Porto e Benfica perderam.

O Arsenal jogou melhor, mas o 2-0 é exagerado.
O Benfica não merecia ter perdido com Man. United por 0-1.

Esperamos que o Sporting salve o fervor patriótico-futebolístico.

segunda-feira, setembro 25, 2006

 

um som profundo do Outono















Como a floresta, faz de mim a tua lira
importa que também as minhas folhas caíam
o tumulto das tuas poderosas harmonias
virá arrancar-nos

um som profundo do Outono

suave, apesar da sua tristeza


Percy Bysshe Shelley (1792-1822)

Enviado por Amélia Pais

 

O que mais nos esperará, Sócrates?!...

A disciplina de filosofia tornou-se desnecessária ao ingresso no ensino superior. É a primeira vez que isso acontece na história da nossa democracia.

Não podemos deixar de ficar perplexos ao constatar que nem as faculdades de Filosofia, nem a Sociedade Portuguesa de Filosofia e nem mesmo a própria Associação dos Professores de Filosofia tomaram posição. E é tanto mais espantoso este silêncio, quanto é certo que, hoje, são os próprios reformadores a proclamarem o “regresso” á filosofia como necessidade de estimular respostas para os desafios que os novos tempos colocam. Por alguma razão, a Universidade Católica criou, inclusivamente, uma licenciatura em Filosofia Empresarial e, não é por acaso, que, ultimamente, os escaparates das livrarias se enchem de livros sobre filosofia do conhecimento, da linguagem, da política, do direito, da justiça, da moral (bioética, ética empresarial, ética política, etc.) e proliferam as traduções de obras filosóficas, desde o velho problematizador Sócrates, passando por Aristóteles até Wittgenstein.

É que, toda a interrogação sobre os problemas da vida, da política, da economia, da arte, da ciência ou da moral foram reflectidos pelos grandes filósofos e é o espírito filosófico que abre perspectivas à resolução de tais problemas.

A própria ciência não dispensa as concepções filosóficas da vida e do mundo; e não há exercício da cidadania, nem é possível aprofundar a democracia dispensando um ponto de vista filosófico.

Sem o espírito crítico que a filosofia promove desaparece o ponto de vista fundamentador das convicções bem como o espírito inovador.

O virar costas à filosofia terá, naturalmente, reflexos no desenvolvimento das competências cognitivas, na sabedoria que deve orientar a vida, na procura de finalidades para as instituições, na razão da tolerância, no compromisso com o dever, na ética das convicções e da responsabilidade; e, no próprio sentido da relação do homem com os outros homens, a vida e o mundo, que dá finalidade à existência.

Naturalmente, a Filosofia não é uma disciplina fácil, mas a sua dificuldade não legitima a recusa do seu ensino.

Dispensando-se esta disciplina fundamental na formação humana, desumaniza-se a vida e abre-se o caminho à geração da ganância, deixando como alimento do espírito a visão egoísta da vida e das suas relações com os outros.

O Governo do PS, com o patrocinar a dispensa da filosofia, abandonou tudo o que poderia dar sentido à sigla que o justifica.

O que mais nos esperará, Sócrates?!...

domingo, setembro 24, 2006

 

O direito à memória

Barry Parker (1867-1947)

Arquitecto e urbanista inglês, nascido em Cherterfield em 1867, estudou na South Kensington School of Art de Londres, e também estudou design de interiores. Junto com Raymond Unwin, com o qual se associou em 1896, Parker se destacou por popularizar o movimento Arts and Crafts, que foi muito popular no início do século XX. Sua contribuição entretanto é maior no campo do urbanismo, no qual Parker teve oportunidade de projectar bairros e cidades, realizando na prática, a partir de 1902, o conceito de "Cidades-Jardins", nas quais as áreas construídas se harmonizam com espaços verdes em uma ambientação rural. Faleceu em 1947.

Álvaro Siza (1933...)

Arquitecto português natural de Matosinhos e estabelecido no Porto. Formou-se na Escola Superior de Belas Artes do Porto, que frequentou de 1949 a 1955. Muitos projectos e prémios. Tem grande admiração pelo Barão Haussmann e gosta muito de trabalhar com Rui Rio, por este ter grande admiração por Napoleão III. Tem trabalhado os dois em conjunto no sentido de melhorar a acessibilidade do centro do Porto à passagem e estacionamento de veículos, mesmo militares. Para não ferirem a sensibilidade das esposas dos vereadores do PSD, retiraram completamente as flores que corriam o risco de ser pisadas. Como se pode ver na última fotografia Rui Rio, da Câmara, pode desfrutar agora de um olhar muito mais profundo e límpido sobre a Praça da Liberdade


Obs: textos enviados por A.M.

 

RUTILÂNCIA














Porque o mundo é mesmo tão imenso
e meu coração tão só um desastrado;
porque imensa é a alma, e o corpo
só um
relato;
porque não estamos aqui para um simples papo,
mas
para morrer
como todos o fazem:
eis que digo a mim mesmo: sê forte;
mas também digo: sê fraco,
pois tudo é rutilância e nós, passantes,
com nossa pressa e gula
para nada.

Mas justo porque o mundo é mesmo imenso
e imensa é a alma,
eis que escrevo e escrevo e escrevo e escrevo.
Por certo, para nada. Sim. Por certo, para nada.

António Brasileiro
_________________

Enviado por Amélia Pais
http://barcosflores.blogspot.com/

sábado, setembro 23, 2006

 

Directora artística do Rivoli distinguida pelo Governo francês

Foi atribuída a Isabel Alves Costa a medalha de "Chevalier des Arts et des Lettres" pelo contributo à difusão da cultura francesa.

A importância deste reconhecimento nunca é demais sublinhar nesta ocasião, em que a programadora vê frustrado o futuro do seu trabalho.

Isabel Alves Costa esteve exilada em França e na Sorbonne, em 1997, concluiu o doutoramento em Estudos Teatrais.

Em 1993 tornou-se directora artística do Rivoli, Teatro Municipal, e foi fundadora do Festival Internacional de Marionetas do Porto. Publicou, entre outras obras, “ lutar para dar um Sentido à Vida"
,"O Desejo de Teatro" e "O Fantoche que Ajuda a Crescer", escrito em co-autoria com Filipa Baganha.

Numa outra cidade, o trabalho de Isabel Alves Costa ao serviço da animação cultural seria reconhecido e estimulado. No Porto, cidade onde a programadora nasceu e dedicou o seu saber ao serviço da cultura, o poder político vai dispensar os seus serviços, o festival de marionetas desaparecerá por falta de apoios e o Teatro Municipal vai ser entregue à exploração de privados.

A cultura francesa é, para a minha geração, a grande referência, a que fez descobrir o valor da cultura na construção de uma sociedade mais justa e humana. Registamos, por isso, com muita alegria, o facto do governo francês reconhecer o trabalho de Isabel Alves Costa, premiando a programadora pela sua carreira e contributo à divulgação da cultura.

sexta-feira, setembro 22, 2006

 

Quem dá mais?!...

De acordo com o «Jornal de Notícias», entre cinco e 12 euros é quanto um professor de Educação Musical, Expressão Dramática ou Educação Física ganha por hora ao desenvolver actividades de enriquecimento curricular com os alunos do 1º ciclo do Ensino Básico. Estes professores estão a ser contratados pelas autarquias e a câmara que pagar mais garante os serviços de um professor, ou seja, os docentes ficam sujeitos a um verdadeiro leilão de preços.

Não sei se esta notícia diz mal das autarquias, do ME ou é apenas significativa da degradação a que chegou o conceito de educação, a noção de trabalho e a profissão de professor!...

quinta-feira, setembro 21, 2006

 

"Compromisso"?... Com quem?!...

Não deixam de ser curiosas as preocupações dos novos gestores que se reúnem, a partir de hoje, em Lisboa, no Convento do Beato, em torno da ideia “Compromisso Portugal”.

Um compromisso supõe entendimento entre todas as partes interessadas e, visando Portugal, esperar-se-ia que os jovens gestores (muitos deles surgidos no sector privado pela mão do sector público) se preocupassem com o papel social das empresas, a necessidade de se promover políticas de recursos humanos que privilegiem a estabilidade no emprego, a valorização profissional e a participação dos trabalhadores na organização e orientação do seu trabalho. Que encorajassem a definição dos valores da empresa no contexto de uma organização social, encontrando medidas para a defesa do meio ambiente e elaborando princípios de uma ética empresarial que assegure compromissos e promova o exercício da cidadania fiscal. Etc. .

Ora, nada disto parece acontecer: os gestores do “compromisso”, ostensivamente tido como um movimento da sociedade civil, apenas se preocupam com a liberalização do estado, mais despedimentos de funcionários públicos, fim da solidariedade social e mais liberalização.

O modelo de sociedade para onde apontam parece apoiar-se num paradigma de desenvolvimento económico semelhante ao que Darwin aplicava à luta pela sobrevivência. O princípio fundamental é o mesmo: “na luta pela vida, triunfa o mais forte”. E, para ser mais forte (empresariamente) é preciso desenvolver as condições mais úteis ao lucro.

Este darwinismo empresarial nada tem de inovador, sendo já posto em causa nos países onde foi levado à prática. Quem o teorizou foi Milton Friedman. Para este economista de origem judaica, a maximização do lucro é o único critério do desenvolvimento económico. Como numa «boa guerra», um bom gestor deve lutar com coragem, bravura e sem preocupações sociais. Precisa, no entanto, que as regras do jogo competitivo sejam abertas, livres e sem fraude fiscal.

E é isto que, de vez em quando, repetem os nossos “gurus” da economia liberal, com a arrogante pretensão de representarem a sociedade civil.

quarta-feira, setembro 20, 2006

 

Expectativas elevadas

As expectativas são muito elevadas em relação ao novo Procurador-geral da República, juiz conselheiro Fernando Pinto Monteiro.

Juízes, advogados, políticos e “fazedores de opinião” traçam-lhe os maiores encómios Salientam-se aspectos da sua postura que cai bem em todos os que pretendem uma Justiça como serviço público. Citam-se frases suas, como “só deve ser juiz quem deve e não quem quer", o Conselho Superior da Magistratura tem “falta de humildade”, os magistrados não podem pensar que desempenham uma função "sobre-humana", a escolha para o Supremo Tribunal de Justiça “está viciada”, “o que mais me preocupa é o facto de, neste momento, este Governo, ou qualquer outro, se fizesse um referendo, teria 80 a 90 por cento do povo português contra os juízes, que são a face aparente da justiça", “se houvesse um tribunal para julgar o mau estado da Justiça, deviam-se levantar os ministros da Justiça, pelo menos os últimos seis ou sete com quem lidei, e dizer «nós temos culpa». A seguir levantavam-se os juízes, os magistrados do Ministério Público, os advogados, os funcionários judiciais e o cidadão. Todos temos culpa”, etc..

Mesmo um agnóstico como eu, não deixará de dizer Deus queira que as expectativas se cumpram. Queremos e o País precisa de uma Justiça célere, competente, isenta, com sabedoria e ao serviço dos cidadãos.

Mas ninguém poderá espantar-se, se, perante tantos elogios, nos vier à memória aquele ditado popular “quando a oferta é grande o pobre desconfia”.

É que a dúvida (metódica, apenas) surge, quando parece colocar-se no Procurador-geral da República a esperança de resolução de problemas que o ultrapassam.Já chegava tornar mais eficaz e mais eficiente o exercício de investigação e acção penal que tutela

terça-feira, setembro 19, 2006

 

ORAÇÃO PELOS PARVOS

Senhor Deus tem piedade dos pobres parvos
e não sabemos nada de geometria
e embebidos na música celeste
esquecemos a fórmula
do binómio do Newton.

Vamos andando a trancas e barrancas
aprendendo as coisas tristemente
por este mundo adiante que fizeste
em sete dias só, segundo os livros.

Eu sou um pouco parvo, bem o compreendo.
Nunca pude saber para que servem
muitas coisas escuras que consentes.
Humildemente quis perguntar
perguntas pequeninas como quartos
sobre os grilos que cantam incansáveis
e os amores dos peixes,
mas sempre chegavam uns homens
carregados de textos
e maços cinzentos sapientíssimos
com datas rigorosas, dados certos,
horrivelmente certos, asfixiantes.
Mas ninguém me dizia dos pássaros,
dos girinos, das flores, dessas nuvens
que depositaste, Senhor, sobre o meu tecto.

Celso Emilio Ferreiro, (Orense,1914 - Madrid, 1979)
"Antologia poética"

Enviado por Amélia Pais.

segunda-feira, setembro 18, 2006

 

Geração da ganhuça

A Associação Nacional de Estudantes de Medicina manifestou-se, hoje, contra a eventual abertura de novos cursos, alegando que as actuais escolas já disponibilizam “excesso de vagas” em relação às necessidades do País.

Está-se mesmo a ver no que estes jovens já pensam!... E os cursos são pagos pelos contribuintes, os que ficam eternamente à espera que o médico que há-de chegar não seja espanhol (um daqueles que justifica o ordenado pelo cronómetro: em cinco minutos tem de ver 10 doentes).

É o pos-modernismo, meus senhores! Muita dose de pragmatismo, egoísmo, individualismo e ganância.

Até quando!?....

domingo, setembro 17, 2006

 

Labirinto










Aqui semeei poentes rubros
E recolhi estrelas e ergui da poeira luas velhas
Ressequidas
Aqui estendi arco-íris depois das chuvas
No espaço
Aqui inventei noites profundas desmedidas
E as povoei de sonhos e de sombras
E cansaços.

E um dia adormeci olhando os astros
Repetir no tempo o confuso labirinto
Dos meus próprios passos.

José Eduardo Águalusa
___________
Enviado por Amélia Pais

 

Segurança reforçada

As declarações do Papa, Bento XVI, sobre Maomé,que, por certo, não foram inspiradas pelo Divino Espírito Santo(o Espírito Santo vê o futuro e aconselharia o Papa a evitar citar Paleólogo, pois já via as consequências indesejáveis) geraram protestos no mundo muçulmano.

O Vaticano decidiu, por isso, que os controlos de segurança fossem “reforçados”, "intensificados" e "meticulosos" num perímetro alargado em volta de Castelo Gandolfo, onde se situa a residência papal.

sexta-feira, setembro 15, 2006

 

Até que enfim!...

Fala-se no fim das ideologias e, em seu lugar, surgiu uma espécie de infantilismo justificativo pragmatista: justifica-se o mal com outro mal, um erro com outro erro. Os fins justificam os meios. E isto passa-se tanto a nível das polémicas paroquiais, como a nível da política internacional.

Hoje, a propósito das prisões secretas que a CIA, em nome da administração Bush, mantém em alguns países, os 25 ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia consideraram que tais prisões violam as leis internacionais. E, em nome dos 25, afirmou o ministro dos Negócios Estrangeiros finlandês, Erkki Tuomioja: «reiteramos que os direitos humanos têm de ser respeitados quando se combate o terrorismo».

Até que enfim se percebeu que o terrorismo não se combate com outro terrorismo!...

 

(1923-1993)













De amor nada mais resta que um Outubro
e quanto mais amada mais desisto
quanto mais tu me despes mais me cubro
e quanto mais me escondo mais me avisto

E sei que mais te enleio e te deslumbro
porque se mais me ofusco mais existo.
Por dentro me ilumino, sol oculto,
por fora te ajoelho, corpo místico.

Não me acordes. Estou morta na quermesse
dos teus beijos. Etérea, a minha espécie
nem teus zelos amantes a demovem.

Mas quanto mais em nuvem me desfaço
mais de terra e de fogo é o abraço
com que na carne queres reter-me jovem.

Natália Correia
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Enviado por Amélia Pais

 

A "choldra".

É, hoje, anunciado na imprensa um novo estudo sobre a corrupção, dado que o iniciado em 2002 ficou parado por falta de verbas (cerca de 7.000€) e já perdeu actualidade.

Ontem ficou-se a conhecer que o processo "Apito Dourado" pode ser anulado, porque a lei da corrupção desportiva não se harmoniza com a Constituição.

Hoje, o “Público” dá notícia da promiscuidade entre a política e o futebol, evidenciando de forma clara que os “donos da bola” eram também “donos do Estado”, traficando influências, garantindo emprego aos apaniguados e marginalizando adversários.

O nepotismo misturou a política com o futebol, os interesses privados com os interesses públicos.

Esta falta de sentido de ética no serviço público atravessa todos os partidos.Quem não se lembra, p.ex, de Francisco Assis, depois de ser candidato à Assembleia Municipal do Marco, ter aceite, durante algum tempo, o cargo honorífico (segundo o mesmo) de presidente da assembleia-geral da Edinorte, empresa ligada a um dos empreiteiros do regime de Ferreira Torres que é compadre de Major Valentim Loureiro?!... Mas há casos ainda mais graves. Diz-se que os exorbitantes gastos feitos em algumas campanhas internas de estruturas partidárias só foram possíveis, por terem sido subsidiados por privados.

No meio de tudo isto ninguém é penalizado: as leis estão mal feitas e nos partidos os líderes estão amarrados a quem lhes deu votos e, muitas vezes, a quem lhes pagou as campanhas. A maioria das estruturas partidárias funciona numa espécie de lógica tribal: o grupo que ocupa o poder, usurpa para si o partido e coloca o que ele representa ao serviço dos seus apaniguados, marginalizando os críticos.

As pessoas frontais, rigorosas, respeitadoras dos princípios e que lutam por ideais não têm futuro na política. O sucesso nos partidos maioritários parece estar associado a uma de três razões: falta de vergonha, incompetência profissional e abundante retórica.

A política tornou-se numa “choldra”.

quinta-feira, setembro 14, 2006

 

Regressámos ao anonimato
mais leves.
Mas é minha a muda inquietação
esse temor
da armadilha do cinismo.

A noite contempla-nos
despojados de sonhos
e, tu disseste-
tão próximas as estrelas –
tão longo o caminho para chegar a elas.

Maria Alexandra Dáskalos, Do Tempo Suspenso
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Enviado por Amélia Pais

quarta-feira, setembro 13, 2006

 

Outra vez o Marco

Amanhã, Avelino dará uma conferência de imprensa em Amarante.

Por que será?!...

A nova lei das autarquias impede que um eleito, depois de renunciar ao cargo, possa, no mandato seguinte, candidatar-se a qualquer autarquia. Se a Câmara de Amarante fosse dissolvida, Avelino libertar-se-ia do problema de ter de regressar ao cargo de vereador depois de ter pedido a sua suspensão. Não lhe interessa ser vereador, em Amarante já ninguém lhe liga e se renunciar ao cargo não poderá candidatar-se ao Marco.

A conferência de imprensa é uma tentativa de resolver a seu favor esta questão. Prevê-se que acuse o Presidente da Autarquia de Amarante de não ter cumprido a determinação do Tribunal para repor uns muros de uma quinta que há 14 anos, no tempo do Dr. Assis, caíram, em virtude dos arranjos num caminho camarário. E, como o julgamento foi feito no mandato do Dr. Armindo Abreu foi este o incumbido de cumprir a determinação do Tribunal.

Mas, se for esse o argumento para o pedido de dissolução da autarquia de Amarante, Avelino bem terá de pedir nova suspensão do mandato. É que a reposição do muro só não foi feita por exigências de última hora, o que não deixa de ter o seu significado.

 

Uma herança salmonelada

A água, aquele bem indispensável à vida e que faz parte dos direitos naturais, foi privatizada por Avelino, no Marco de Canaveses. Como consequência, a privatização fez aumentar exorbitantemente o seu preço, sem correspondência na sua qualidade. E, como sabemos, a qualidade da água que entra na rede pública está protegida por lei. Está em causa o valor da vida humana. No entanto, as análises à água da rede pública em Soalhães revelaram a existência de níveis excessivos de cloro que, inclusivamente, são desaconselhados nas piscinas. Foram, ainda, encontradas nas captações da ribeira de Lardosa salmonelas. Segundo noticia, hoje, o JN, «a empresa concessionária da rede pública de água e saneamento - a Águas do Marco SA - teve naquele riacho e por tempo indeterminado uma captação, supostamente ilegal, para abastecer uma das freguesias mais populosas do Marco».

Como se sabe, elevadas concentrações de cloro (mais barato do que filtros) na água estão associadas a colites e acidentes patológicos e as salmonelas são causadoras de infecções, diarreias, vómitos, meningite, hepatites, alterações pulmonares, etc.

O Jornalista António Orlando do JN lembra que «o limiar do cloro na água situa-se em geral na proximidade de 0,2 mg/litro. No caso da água analisada em Soalhães, havia cinco vezes mais».

Isto dá que pensar!...

Se não houvesse outros casos de delapidação do património dos marcoenses, aqueles que pensam no regresso de Avelino reflictam, pelo menos, sobre esta herança.

 

Quatro notícias merecem uma reflexão

1ª- Os juízes vão ser proibidos de integrarem os órgãos de disciplina e justiça do futebol.

A medida só peca por chegar tarde e a más horas. Criem-se tribunais desportivos, independentes dos clubes e acabe-se com comissões compostas por personalidades indicadas pelos clubes na esperança de que façam aos mesmos alguns “fretes”.

Espera-se, pelo menos, que os juízes que deram uma imagem degradante da sua profissão nas comissões de disciplina da LIGA ou da FEDERAÇÃO sejam responsabilizados por esse facto.

2ª Segundo o ministro da Justiça, os clubes e associações desportivas vão passar a responder na Justiça por crimes de falseamento de resultados e corrupção, podendo ser punidos com multas que chegam aos seis milhões de euros ou então com a extinção da entidade. O tráfico de influências também vai passar a ser constituído um crime. Esta medida atingirá as pessoas colectivas, quando os crimes forem cometidos «pelos seus órgãos, pelos seus representantes ou por pessoas que ajam a seu mando».

Apoia-se a medida, mas espera-se que a penalização do tráfico de influências atinja os partidos, as autarquias e os ministérios.

3ª- A Câmara do Porto condicionou o apoio técnico e logístico a três filmes que serão rodados na cidade a uma cláusula que obriga cada um dos produtores a não "expressar publicamente afirmações que ponham em causa o bom nome e imagem do município" e a "não dar uma imagem negativa da cidade".

Existe nesta atitude algo surrealista e paradoxal. Então o Presidente da Câmara do Porto não entende que a “lei da rolha” é, por si mesma, o pior cartaz para o bom-nome e imagem do município?!... Em democracia a critica faz parte da própria natureza da sociedade aberta.

4ª O primeiro-ministro criou um prémio nacional para os professores, como uma «homenagem à condição de professor».

Isto cheira a algo do passado. Então os funcionários das escolas, de quem depende o ambiente que gera as condições de aprendizagem, não têm prémio?!...

A escola é uma comunidade educativa e a aprendizagem depende, sobretudo, de um trabalho de equipa. Não valorizar esta situação é não perceber nada do que promove a qualidade do trabalho do professor e o bom funcionamento das escolas.

terça-feira, setembro 12, 2006

 

Pobre Marco!

Hoje estive em Amarante e tenho uma história para contar. A história é inquietante. Já não se sabe se “Amar Amarante” é apenas uma sigla do passado ou alguma coisa mais. Mas isso não é importante. Sabe-se apenas que alguns dos elementos desse grupo vão-se encontrando com o “Chefe”. O que também é natural.

Num desses encontros, a conversa versou a ponderação do regresso ou não ao cargo de vereador de Amarante do “Chefe”. E a balança caiu para o seguinte lado: «o melhor é pensar-se na substituição definitiva, pois o “Chefe” pensa voltar a candidatar-se á autarquia do Marco».

Não sei se será possível a ousadia. O “dito chefe”tem montes de processos nos tribunais e num concelho onde a política fosse um “serviço público” e não meras tricas e “jogos de poder”, nunca mais o “dito” se sentiria bem no Marco. Como isso não acontece, uma inquietante preocupação toma-nos.

Quem ouve os marcoenses sente um avolumar de desencanto. Na verdade, não é com uma retórica a galopar horas ou enchendo as parangonas dos jornais com fotografias que se faz boa gestão de uma autarquia. O que os munícipes querem é quem lhes rasgue um melhor futuro com acções; o que os munícipes querem é quem os ouça e não quem os empanturre com discursos; o que os munícipes querem é quem lhes resolva os problemas (ou lhes explique por que não os pode resolver) e não quem lhes complique a vida com promessas que não se cumprem e com incertezas que os atormentam.

Mas poderia acontecer que uma alternativa começasse a desenhar-se com força e credibilidade. A força dada pelo alargamento da sua base de apoio e a credibilidade pela coerência na defesa de ideias e valores. Mas também aqui há uma grande frustração.

No único partido que poderia ser alternativa, o PS, já ergue a voz o “grande líder” efabulador de estórias, o tal que dizia ao Avelino “o sr. Presidente é que manda” e (muito socialisticamente) lhe sugeriu um regulamento que impedisse a Associação dos Amigos do Marco de utilizar o auditório da autarquia. A guerrilha neste partido já transbordou as paredes da sua sede concelhia e em vez de se promover fraterna autocrítica e uma discussão que busque os consensos estimuladores da acção política, retiram-se apoios (onde será que, em outras circunstâncias, já vi esta cena?!...) e entre “jogos de pseudo-poder” há já quem pense que amanhã poderá ser presidente da câmara pelo número de cumprimentos que vai despejando de café em café.

O caminho do regresso do “dono do Marco” parece aberto.

Pobre Marco!

 

Defraudar esperanças

O maior problema da Justiça está, certamente, na ineficácia do combate à corrupção. No entanto, de acordo com relatórios das Nações Unidas, Portugal é o País mais corrupto da Europa.

E este problema é gravissimo. A corrupção mina os fundamentos de um Estado de Direito, põe em causa os princípios da igualdade perante a lei e perverte as relações de confiança e respeito entre governantes e governados.



Esperava-se, por isso, que o pacto assinado entre o PS e o PSD sobre a reforma da Justiça tivesse como preocupação central o problema da corrupção.

Lamentavelmente, as noticias de hoje informam que nenhum dos cinco pontos do pacto entre PS e PSD para a reforma da Justiça indica que o combate à corrupção foi matéria de consideração e entendimento entre os dois partidos.


Inclusivamente, duvida-se que seja tido em conta os recentes três projectos-lei apresentados na Assembleia da República pelo deputado socialista João Cravinho sobre esta matéria.

Que interpretação poderemos dar a esta circunstância?!... Será que não há no PSD ou no PS quem se envergonhe com a avaliação dos relatórios das Nações Unidas?!..

E se na consciência social, o prestígio continuar a ser avaliado pela conta bancária, como esperar que a corrupção tenha, pelo menos, “custos morais”?!..

Para onde vamos?!...

segunda-feira, setembro 11, 2006

 

Convém não esquecer um outro 11/Setembro.

Foi em 11 de Setembro de 1973

Morre assassinado o Presidente Allende e com ele o sonho do socialismo democrático no Chile.

Com a colaboração dos EUA, Pinochet executa um sangreto golpe de Estado que dá origem a um regime ditactorial e corrupto que esmaga o povo chileno por muitos anos.

É preciso não esquecer!

quinta-feira, setembro 07, 2006

 

Três acontecimentos que merecem reflexão

Fiz trinta e dois anos de casado e, porque pertenço a um casal de resistentes, comemorei a efeméride. Concordarão, por isso, que se justifica a ausência do blog nestes últimos dias.

Entretanto, três acontecimentos merecem alguma reflexão:

1º Há valores universais mínimos que se impõem, independentemente das ideologias. O levantamento do bloqueio de Israel ao Líbano é um passo no sentido do respeito pelo direito internacional e pelos direitos humanos que temos de aplaudir. Também o reconhecimento (que toda a gente já sabia) por parte de Bush da existência de uma rede secreta de detenções espalhadas pelo mundo vai no mesmo sentido. O mundo fica melhor, sempre que a consciência critica se levanta contra o MAL. Não há um mal melhor do que outro, nem há erros que justifiquem outros, como pensam alguns analistas maquiavélicos que especulam sobre os factos dos nossos tempos.

2º O acordo entre o PSD e o PS sobre a reforma da Justiça é um marco importante. Pela primeira vez, a reforma da justiça é tida como uma questão que ultrapassa os pontos de vista partidários e se situa como questão nacional. Ficou desarmadilhada a estratégia da vitimização adoptada por algumas direcções sindicais de agentes da Justiça. Precisamos de uma Justiça prestigiada pela sua independência, isenção, competência e sentido do dever, mas isso só pode acontecer se ela funcionar com sentido de serviço público e não de corporação de interesses ou lobby privilegiado.

3ªO anúncio de Blair que abandonará o cargo de PM nos próximos 12 meses é também uma boa notícia. O primeiro-ministro britânico, tal como o nosso Sócrates, representa a deriva da social-democracia ou socialismo democrático para o mimetismo liberal de Bush e o servil apoio às suas políticas, sendo a questão do Iraque a manifestação mais obscena desse conluio. Blair e Sócrates (na linha do neo-liberalismo americano) fizeram tábua rasa das causas sociais que marcaram a nossa tradição social-democrata. Os eleitores de Blair já lhe disseram que o seu caminho não lhes interessava e o mesmo acabará por ser dito pelos eleitores que escolheram Sócrates.

Três boas notícias que me agrada registar e que saiem do pântano futebolistico que tem vindo a reflectir o funcionamento mateusiano do nosso próprio País.

Convidou-me um amigo para ir até ao Alentejo à caça das codornizes, a que acedi.


Até á próxima semana e sejam felizes.

segunda-feira, setembro 04, 2006

 

A dúvida justifica-se.

Há questões que criam perplexidades.

Dois exemplos:

1º Arranca, hoje, a liberalização do mercado de energia e já se diz que a electricidade vai ficar mais cara. Será que a proclamação das virtudes do mercado apenas serve para esconder a formação de um cartel?!.... Lembram-se do que aconteceu com a gasolina?!...

2º As indústrias ligadas ao ambiente proliferam por todo o País. Foi anunciado, com pompa e circunstância, a nova lei-quadro das contra-ordenações ambientais, estipulando o aumento de coimas aos poluidores e a criação de um cadastro dos infractores. No entanto, a IGAOT só dispõe de três dezenas de inspectores para todo o País. Será que o anúncio do aumento de coimas e da criação de cadastros serve apenas para dar que fazer a essas indústrias?!...


A dúvida justifica-se.


A falar de Camões muita gente ficou rica, enquanto o poeta morreu na miséria. O mesmo pode acontecer com a proclamação das virtudes do mercado e da defesa do ambiente?!..

domingo, setembro 03, 2006

 

Sustentabilidade da segurança social


 

É da tua mão que eu preciso agora

É da tua mão que eu preciso agora. Há momentos, sabes, que me sinto tão cansado, todos estes dias cheios de palavras que me fogem. Então penso em ti: Joana. Penso: vou contar-te uma coisa. Há pouco tempo morreu a filha de um amigo meu, homem generoso e bom, melhor do que alguma vez fui. Um cemitério é um lugar horrível e a dor dele doía-me. Depois de tudo acabar voltei para o automóvel. Eram muitos passos nas veredas a voltarem para os automóveis. O caixãozinho branco. Aquelas árvores que tu conheces de quando a gente há dois anos. Despedi-me das pessoas um pouco ao acaso, sem sentir os dedos que apertava: têm tantos dedos as pessoas. Nem me lembro já porquê abri a mala do carro. Estavam lá dentro coisas tuas de Espanha: batas, papéis, as inutilidades confusas que estás sempre a juntar. Peguei numa das tuas batas, abracei-a. E desatei num choro de menino, de cabeça inclinada para a mala do carro na esperança : que não me vissem. Depois lá enxuguei o nariz à manganunca perdi o hábito de enxugar o nariz à manga engoli-me a mim mesmo e vim-me embora. Sempre que me sento no teu carro lembro-me de ti. Também me lembro quando não me sento no carro mas sempre que me sento no carro lembro-me de ti. De ti e de Malanje onde começaste a ser, e as mangueiras tremem-me no interior do sangue.Mas é da tua mão que eu preciso agora. Há momentos em que me farto de ser homem: tudo tão pesado, tão estranho, tão difícil. Eu vou tendo paciência e no entanto, às vezes as coi­sas magoam, há ideias que entram na gente como espinhos. Não se podem tirar com uma pinça: ficam lá. É então que a cara prin­cipia a estragar-se e a gente dizem envelhece. Necessito de muito pouca coisa hoje em dia: uns livros, o meu trabalho de escrever, amigos que se estreitam com o tempo, alguns deixados para trás, não sei onde. A minha avó dizia que fui a pessoa por quem chorava mais. Nunca acre­ditei. Era autoritária, mimada, sedutora: tratava-me tão bem! Jogávamos a ver qual de nós dois conquistava o outro: andáva­mos mais ou menos empatados (sabes como detesto perder)e nisto ela morreu. Recordo-me de sair de sua casa e vir à cervejaria comer. Ainda não tinha tempo de sentir-lhe a ausên­cia. Pedi o jornal desportivo ao empregado. Ao voltar para cima achei-a vestida sobre a cama.Agora é Novembro, tenho frio, ando às voltas com um romance de que não estou a gostar. Nunca estou a gostar do que escrevo, acho aquele em que trabalho o mais difícil, acho que as palavras me derrotam. Frases puxadas como pedras de um poço que não vejo. Banalidades que me indignam por estarem tão longe do que quero. Capítulos que me fogem, o plano da his­tória dinamitado pelos caprichos da minha mão, que não faz o que pretendo: escapa-se sempre, inventa, tenho de apanhá-la a meio de um período inverosímil. Talvez seja por isso que preciso da tua. Ou não por isso: não bebo e no entanto há alturas em que me sinto tão só que é quase o mesmo. E sem essa solidão não me é possível escrever. O meu amigo a quem morreu a filha chama-se José Francisco. Quando sorri os cantos da boca parecem levantar voo. Faz-me bem. Gostava de sorrir assim. Experimentei ao espelho e não é igual. Quer dizer, a boca curvou-se mas os olhos ficaram fixos, duros. Deixei de sorrir e enchi a cara de espuma da barba, até ser apenas nariz e olhos. Então sorri outra vez e os olhos acharam graça e mudaram. Os meus olhos sérios olhavam para os meus olhos divertidos. Pisquei o esquerdo e o espelho piscou o direito. Lavei a cara, apaguei a luz, saí. Por um segundo veio-me a sensação de caminhar em Malanje. Aquele cheiro da terra, demorado, opaco, violento. E pronto, é tarde. Em chegando ao fim da página aca­bou-se. Ponho a tampa na caneta, os cotovelos na mesa e fico a observar a parede. Nem vou reler isto, mando tal e qual. Prefiro observar a parede, deixar-me impregnar devagarinho pela essên­cia das coisas. Esta cadeira, aquele móvel, uma manchinha de cinza no chão, as minhas mãos geladas de frio a acabarem esta crónica. Se calhar amanhã telefono-te. Ou regresso ao romance na teimosia dos cães. Penso: nem que deixe a pele nele hei-de conseguir acabá-lo. Comecei-o no princípio de Outubro, falta muito. Alinho os papéis, ponho tudo em ordem para a escrita. Nem que deixe a pele nele hei-de conseguir acabá-lo. Leio a última frase, continuo. Só por um bocadinho de nada, antes que continue, importas-te de tirar as batas do carro? Importas-te de me dar a mão?

António Lobo Antunes,
in: Segundo Livro de Crónicas

Enviado por Amélia Pais

http://barcosflores.blogspot.com/

 

O educativo


sábado, setembro 02, 2006

 

Uma medida acertada

O secretário-geral do PS, José Sócrates, pretende extinguir a Comissão Permanente do PS.

Eis uma medida acertada!

Essa comissão nenhum interesse tem para a afirmação do PS. Nunca se constituiu numa assembleia de representantes das preocupações locais e regionais do Partido e foi sempre um fórum de lambebotismo e de interesses particulares.

O PS precisa de profundas reformas que sejam capazes de anular a rede de interesses que se instalou no seu próprio interior. Só com medidas regulamentares que obriguem, numa primeira volta, os candidatos a dirigentes partidários das concelhias e das federações a sujeitarem-se a um escrutínio da sociedade civil que apoia o PS ( por exemplo, através de sondagens), é que se poderá pôr cobro ao aparelhismo.


Só quem anda muito distraído é que não terá dado conta da formação, através do aparelhismo, de autênticas famílias de tipo mafioso em certas lideranças locais e regionais do partido. Veja-se para que irão servir as quotas das mulheres!... Se nada for feito para contrariar esta dinâmica e forçar as estruturas do PS a harmonizarem-se com o melhor da sociedade civil, poderá rapidamente acontecer que este partido passe a assemelhar-se com aquela rua escura, onde não entram as pessoas de respeito.

sexta-feira, setembro 01, 2006

 

O problema do airbag

O Presidente da Câmara do Marco, mesmo em tempo de falência financeira da autarquia, achou que era fundamental (mais do que corrigir os défices da “dita”) comprar um Audi A6. Era uma questão, digamos de airbag do cargo. A imponência do veículo amortecia as criticas ao Autarca. Onde chegasse, deixava de ser visto como o presidente que chegava de jipe (como o Avelino) e passava a ser olhado com mais respeitinho.

Logo de seguida, o ex-presidente Avelino (o que andava de jip), adquiriu um Audi A8. Diz-se que também funciona como uma espécie de airbag do seu ex-cargo. Onde chega, há sempre quem diga: já não vem de jipp -- tem um Audi melhor do que o do Presidente.

Entretanto, a construtora de automóveis Audi anunciou hoje que vai recolher 36.000 automóveis em todo o mundo devido a problemas no airbag.

A política tem destas coisas: nem sempre os airbags funcionam bem. E a comprová-lo estão as criticas de todo o tipo que se vão avolumando por todo o Concelho.

Pobre Marco!!!....

 

Para Fazer um Soneto

Tome um pouco de azul, se a tarde é clara,
e espere um instante ocasional
neste curto intervalo Deus prepara
e lhe oferta a palavra inicial

Aí, adote uma atitude avara
se você preferir a cor local
não use mais que o sol da sua cara
e um pedaço de fundo de quintal

Se não procure o cinza e esta vagueza
das lembranças da infância, e não se apresse
antes, deixe levá-lo a correnteza

Mas ao chegar ao ponto em que se tece
dentro da escuridão a vã certeza
ponha tudo de lado e então comece.

Carlos Pena Filho (Recife,1929 – 1960)
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Enviado por Amélia Pais

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